quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A dor do travesseiro

Voltei da Europa há exatos 10 dias, apenas hoje consegui chegar aqui. Ainda não tinha conseguido colocar em palavras alguns sentimentos. Não falei aqui, mas esta viagem foi especial. Eu e minha irmã levamos nossas duas tias idosas (uma bengalante e a outra com problemas mentais) para conhecer a Áustria. Terra dos avôs delas, portanto dos meus bisavôs. Elas e minha mãe planejaram esta viagem por 20 anos, e nunca saiu do papel. Então, eu e minha irmã fizemos essa viagem pela minha mãe, que, com certeza, estava conosco.

Visitamos lugares lindos, reencontrei um amigo querido que mora em Viena que nos mostrou muita coisa, e, principalmente, fiz minhas tias realizarem um sonho. Esta pode não ser a viagem dos meus sonhos, mas possibilitar isso a alguém que não teria essa condições (por causa da língua, do ritmo) é uma alegria e um conforto imenso.

Esta viagem teve um único momento que nos mostrou a pior faceta de um ser humano. Na nossa primeira parada, Lisboa, visitamos a Torre de Belém. Na saída, ao descer os, sei lá, 15 degraus de uma construção medieval não uniforme, minha tia teve dificuldade. Foi se segurando na parede, mas alguns idiotas não tem paciência de esperar, e vão empurrando. Eu e minha irmã fizemos um "escudo" ao redor dela, e fomos amparando sua descida. Os funcionários da Torre, ao perceber a dificuldade dela, barraram a subida de novas pessoas até que ela chegasse ao térreo. Quando faltavam uns 2 degraus para chegar, ouvimos a primeira pessoa da fila, barrada:

- É um absurdooooooo!!! Como que deixam uma pessoa nessas condições vir num lugar desses???

A vaca (sem querer desrespeitar o sagrado animal) era brasileira. Não tive dúvidas e comecei um lindo diálogo:

- Absurdo, minha senhora, é uma pessoa morrer sem realizar sonhos. Minha tia tem direito de estar aqui, você está perdendo apenas 2 minutos de suas férias, que tal um pouco mais de generosidade e humanidade nesse coração?

- Se fosse minha mãe, eu não a traria aqui, disse a vaca.

- Ótimo. Mantenha sua mãe em cativeiro então. A minha tia vai conhecer o mundo.

- É um absurdo eu ter que esperar!!!

- Minha senhora, procure uma igreja, um centro espírita. Trabalhe esses sentimentos. Você não sabe o que a vida te reserva. Você não sabe se semana que vem vai sofrer um AVC ou um acidente de carro e perder o movimento das pernas. Você gostaria que sua filha te mantivesse em cativeiro?

(a filha da vaca olhava pro chão... o marido balançava a cabeça, morrendo de vergonha)

- Eu tenho saúde, minha mãe também. E você - pegando no meu ombro - não deixe de cuidar de seu colesterol, pois você está prestes a ter problemas também.

(ou seja: vaca não tem argumento, vamos terminar me chamando de gorda para arrematar!)

- Minha senhora, a  senhora ainda vai reencarnar umas 80 vezes só pra pagar isso que falou agora. A senhora vai chegar num momento da sua vida que vai se arrepender demais do que falou para minha tia. E o pior, não vai ter como pedir desculpas. E seu marido envergonhado aí do lado está conhecendo muito bem o coração da esposa dele. Vou tratar meu colesterol, mas sugiro que você procure um psiquiatra assim que chegar ao Brasil, suas atitudes não são humanas.

E saí de lá sob uma pequena salva de palmas de algumas pessoas da fila.

Essa mulher foi a exceção. Em todos os lugares de Lisboa, Fátima, Viena, Innsbruck, Frankfurt, elas só encontraram pessoas pacientes, pessoas que ajudaram, pessoas que compreenderam. Pessoas que viram que minha tia tremia ao segurar a máquina, e se ofereciam para bater a foto. A vaca foi exceção, mas infelizmente as coisas ruins marcam.

Esta semana, na terapia, fiz um link dessa situação com o final de Avenida Brasil (que eu não vi a novela, mas não teve como não ver o último capítulo). Na manhã da sexta-feira do final da novela, assistindo TV em casa, peguei uma discussão no programa da Fátima. Várias pessoas apostavam em qual seria o final da Carminha. E uma pessoa lá disse: "o melhor final não é ela morrer, ou ser presa. A melhor punição é ela alcançar a compreensão de todo mal que fez e perder o direito de aproveitar o travesseiro à noite". Essa fala me chamou muito a atenção. E no fim, foi este o fim dela.

E eu pensei na vaca. Em algum momento, naquele dia fatídico, tive que rezar por ela para aplacar o ódio no meu coração e conseguir dormir. Mas eu acho que, em algum momento da vida dela, ela vai lembrar do que fez com minha tia e perder o sono.

Está nas mãos do Universo e suas leis implacáveis.

3 comentários:

Penny Lane disse...

Será mesmo que ela vai se lembrar?
tem gente tão ruim neste mundo, que é capaz de fazer o mal e dormir como um anjo.Conheço várias, inclusive tem uma na minha família que tem 84 anos e nunca mostrou arrependimento das maldades que já fez aos outros.

É claro que a gente sempre espera que a pessoa reconheça os erros, mas ó, o pouco que eu conheço do ser humano, acho muito difícil.Hoje em dia ninguém tem compaixão por ninguém.O que é lamentável.

E que bom que o resto da viagem foi boa, né? ^^

bjs

http://queeuestejanumaboa.blogspot.com.br/

Penny Lane disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Regina disse...

Deus é justíssimo...e Maria...mãe, está sempre na nossa frente!!!